6 de agosto de 2011

A China e os seus comboios.

Que melhor forma de deixar uma cidade e preparar uma viagem de comboio que durará 36 horas que num “restaurante”. Depois de apanhar as mochilas no hostel, passámos nos vizinhos muçulmanos e atulhámo-nos de comida para essa aventura.  Sim, andar num comboio de longo curso na China é uma verdadeira aventura, louca, desumana e preocupantemente comum. Felizmente arranjámos lugar sentado pois é norma vender lugares em pé, independentemente do espaço que exista no comboio ou do tempo que a viagem demore. Sentámo-nos nos respectivos e imediatamente sentimos o que iria ser esta viagem, muita gente, muito barulho e pouco respeito. Apesar de toda a educação comunitária vivida na China, a formatação das pessoas, a prisão a uma visão em nada aberta e o imenso mar de gente, leva a que as pessoas vivam a sua liberdade até onde termina a dos outros. Muito bonito, quando os outros não nos apertam e tiram o espaço a cada distracção, onde não somos constantemente pressionados para algo ou estamos a lidar com comboios lotados. Em primeiro lugar está a família, nada mais importante para um chinês. Depois os amigos e conhecidos, sendo que para estes o tratamento é já diferente e menos preocupado. Quando se fala de estranhos num comboio, não há regras nem lei. Cada um por si, com a sua liberdade e sem chatear a dos outros (que verdade seja dita, nunca se chateiam ou apontam seja o que for). Perde-se a noção do que é liberdade e falta de educação, o que é correcto ou matreirice e tentativa de aproveitamento. IMG_5986Veem-se pessoas atropelar outras sem um olhar para trás, fuma-se onde é proibido sem que ninguém diga nada, “magoam-se” uns, aos olhos dos outros. Não temos nada a apontar acerca da hospitalidade, carinho e afecto que recebemos deste povo. São hábitos e adaptações que nos custam aceitar, devido também à nossa formatação. Os viajantes de pé acabam por se sentar onde podem espalhados pelo chão do comboio. São constantemente interrompidos do seu pseudo-sono pelos carrinhos de comida e vendedores de tudo o que é chinesice. Em partes do comIMG_5993boio o lixo acumula-se no chão, as pessoas cospem, também, para o chão e, depois, nele se deitam famílias inteiras à procura de um canto para fazer a viagem. Não param de se vender bilhetes independentemente das condições oferecidas ou da lotação do comboio. Posteriormente vendem-se bancos a quem quiser sentar-se aqui e ali, quebra-cabeças para passar o tempo, anéis de humor para constatar os factos, espelhos para os mais vaidosos… tudo é negócio. Um negócio que começa e acaba sem escrúpulos. O único reparo que ouvimos foi o facto de pendurar sacos de plástico com comida nos cabides para casacos (?!?), de resto tudo é permitido, desde que não interfira com a liberdade do próximo.

Estamos agora a caminho de Kunming, num comboio que leva 36 horas a chegar ao nosso destino. Felizmente temos lugares sentados apesar de ser muito difícil dormir com todo este calor, todo este desconforto e todas estas situações que nos rodeiam e incomodam. É difícil entender esta sociedade assim como o é tentar retracta-la por palavras. As mudanças têm sido muitas e cremos que as mentalidades que sempre foram formatadas e ensinadas a pensar, não conseguem agora libertar-se desse modo de ser. Na Rússia as infrastructuras caíram em decadência permanecendo o rigor dos comportamentos, na China as infrastructuras desenvolvem-se mas os comportamentos desadequam-se.

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Á parte deste desconforto, a visão através da janela do comboio é impressionante. Já passámos por vales enormes rodeados por montanhas verdejantes e cultivadas. Rios amarelos que percorrem os vales aparecendo e desaparecendo à medida que passamos mais um túnel. Campos de arroz enormes, campos de cultivo, campos de pessoas a que chamam de cidades. Tudo isto numa longa viagem de 36 horas.

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1 comentário:

  1. Apesar do vosso desconforto da viagem de comboio é sempre um grande prazer ler o relato das vossas vivências e apreciações. As grandes aventuras (parabéns pela escalada) e o conhecimento de alguns marcos da civilização - muralha, cidade imperial e guerreiros, entre outros - enriquecem-vos e a nós a esta distância resta-nos agradecer puder partilhar e ficar muito contentes pela oportunidade que estão vivendo.
    Beijos grandes da Tia Isabel, Maria, Miguel e Sebastião (à chuva em pleno Agosto em Melides)

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